segunda-feira, 8 de março de 2010

A LÍNGUA E SUAS VARIEDADES

Cada um de nós começa a aprender sua língua em casa, em contato com a família, imitando o que ouve e apropriando-se, aos poucos, do vocabulário e das leis combinatórias da língua. Nós vamos, também, treinando nosso aparelho fonador (a língua, os lábios, os dentes, os maxilares, as cordas vocais) para produzir sons que se transformam em palavras, em frases e em textos inteiros.
Em contato com outras pessoas, na rua, na escola, no trabalho, observamos que nem todos falam como nós. Há pessoas que falam de modo diferente por serem de outras cidades ou regiões do país, ou por terem idade diferente da nossa, ou por fazerem parte de outro grupo ou classe social. Essas diferenças no uso da língua constituem as variedades linguísticas.
Variedades linguísticas são as variações que uma língua apresenta, de acordo com as condições sociais, culturais, regionais e históricas em que é utilizada.
Grosso modo, as variações linguísticas são decorrentes:
a) do falante: variedades relacionadas à região onde se nasce, ao meio social em que se é criado ou se vive, à profissão que se exerce, à faixa etária e ao momento histórico;
b) da situação: variedades que ocorrem em função do interlocutor, do tipo de mensagem e do momento ou contexto.
Um advogado, por exemplo, faz diferentes usos da língua ao conversar com um colega de profissão, ao dirigir-se a um juiz no tribunal, ao redigir um bilhete para a secretária ou os argumentos de defesa de um réu. A esses tipos de variedades dá-se o nome de registro.
Em virtude dessa complexidade que envolve o ato comunicativo efetivo, os conceitos de certo e errado ficam muito superficiais. É necessário considerar um novo conceito: o de adequação. Um enunciado é considerado adequado quando é apropriado aos elementos do processo de comunicação.
Tanto na linguagem oral quanto na escrita, podemos observar diversos graus de formalidade, do mais informal ao mais formal. Não é a mesma coisa falar para dezenas de pessoas em um auditório e contar algo a um amigo. Tampouco é a mesma coisa falar com um irmão e falar com o diretor de uma empresa. Cada um desses momentos é uma situação comunicativa diferente. Variam não só as pessoas, mas o lugar, o momento, o(s) receptor(es), as relações afetivas e o tema do qual se fala. Isso significa que a linguagem do texto deve estar adequada à situação, ao(s) interlocutor(es) e à intencionalidade do emissor.
Observe diferentes tipos de registro:
  1. O diretor, seguidor fiel dos regulamentos, não permitirá nenhum desvio de conduta dos alunos.
  2. O diretor é rigoroso e não vai permitir nenhuma desordem dos alunos.
  3. O diretor é ligadão na disciplina e não vai dar colher de chá aos alunos.
Em que situação o enunciado 1 é adequado? E o enunciado 2? E o 3?
Há também o registro vulgar, com palavras de baixo calão e gírias depreciativas, que sempre deve ser evitado.

Considere agora os dois textos a seguir, publicados em paralelo no jornal Zero Hora.
Texto 1


Dano moral e ausência de afeto

                Jornal com circulação local, face recente decisão do Superior Tribunal de Justiça amplamente divulgada na mídia, estampou em manchete que “A partir de agora, pais que não derem carinho aos filhos serão condenados a pagar indenização a eles”.

                Com a devida vênia, apressada e equivocada a afirmativa.

                Por primeiro, imperioso que se ressalte que a referida decisão não tem efeito vinculativo como açodadamente noticiado. Vale dizer, a ela não está atrelado nenhum outro órgão julgador, não significando, portanto, que se terá substancial alteração do entendimento que de forma amplamente majoritária vem prevalecendo. Em segundo lugar, não é definitiva, aliás sequer tomada de forma unânime pelos julgadores, o que, em tese, viabiliza eventual reexame no próprio âmbito do STJ, onde até aqui, repita-se, vem prevalecendo entendimento em contrário ao argumento de que genitor omisso, “condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, não encontraria ambiente para reconstruir o relacionamento...”.

                Penso que ao final e ao cabo é o entendimento que haverá de prevalecer. A melhor solução para as desavenças familiares é a conciliação e a mediação, evitando-se o litígio e suas nefastas consequências. Não existe previsão legal no ordenamento jurídico no sentido de impor aos pais a obrigação de amarem os filhos e vice-versa, até porque se trata de algo natural, não necessitando, por óbvio, de regras específicas para que ocorra. Mas mesmo quando esse basilar princípio de convivência familiar na prática não se concretize, ainda assim, insisto, não há razoabilidade para que a ausência de afeto reste compensada pela imposição de indenização pecuniária.

                Nada pode substituir o abraço ou um beijo trocado entre pais e filhos. Mesmo quando essa saudável relação não se concretizar por injustificável omissão por parte de quem caberia a iniciativa, ainda assim, insisto, tenho que eventual compensação monetária não teria nem ao menos caráter pedagógico/compensatório, servindo, ao contrário, isto sim, para inviabilizar em definitivo a almejada convivência afetiva. E justamente entre pessoas tão próximas, pais e filhos, que haveriam de nortear a relação através do amor incondicional e mútua compreensão. Acaso a opção seja pela compensação financeira, acredito que nenhuma esperança restará para que um dia o convívio venha a ser pautado pelo afeto.

                Como há mais de duas décadas escreveu Fernando Mottola em memorável sentença que por sua invulgar beleza entrou para os anais da história forense do Estado, “se for inevitável que a ternura almejada se converta em amargo fel, que o carinho tenha por recompensa a incompreensão, que isso se faça pela mão de outrem...”

                A quem decide, com a devida vênia dos que pensam em contrário, não cabe contribuir para que o “amargo fel” prevaleça e se perpetue.

Nilton Tavares da Silva. In: Zero Hora, Porto Alegre, 8 maio 2012.
 Texto 2

A Justiça abriu os olhos!

                Em decisão deste mês de maio, o STJ determinou que o pai deve indenizar a filha por abandono afetivo! Já estava em tempo!

                A ministra Nancy Andrighi, em uma frase, resume bem a celeuma instalada: “Amar é faculdade, cuidar é dever!”.

                Dever! Poucos são os preocupados com o dever! A maioria preocupa-se apenas com os direitos! Esquece-se de que dever e direito estão intimamente ligados. É possível afirmar que de um lado teremos o direito e do outro o dever!

                Nas relações familiares, o dever se impõe de forma bem nítida, quando se menciona o dever dos pais em relação aos seus filhos, exemplo é o dever de convivência e de cuidado, o que foi destacado na decisão do STJ.

                Mas o que caracteriza o abandono afetivo? Tal comportamento ocorre quando o pai ou a mãe se omitem do dever de proporcionar afeto e cuidado ao seu filho de forma que ele desenvolva livremente sua personalidade, ou seja, aquele pai ou mãe que apenas paga alimentos ao seu filho e o abandona afetivamente.

                Precisamos praticar a paternidade responsável!

                O abandono afetivo, como conceitua Lôbo, é o “inadimplemento dos deveres jurídicos da paternidade”, e quem descumpre esse poder-dever familiar pode ser responsabilizado civilmente, o que aconteceu em decisão inédita do STJ.

                Poderia surgir o questionamento: qual a função da reparação pecuniária? Pode-se destacar duas funções: uma punitiva e outra educativa ou pedagógica, pois o afeto não tem como ser valorado pecuniariamente, mas é preciso demonstrar que a conduta dos pais em negar ao filho afeto está equivocada.

                O que importa consignar é a figura do pai como imprescindível ao pleno desenvolvimento da personalidade dos filhos, sua presença é fundamental! Aos pais compete o dever de cuidado e proteção dos filhos!

                Decisão acertada do STJ. Aos operadores do Direito cabe fazer valer os direitos, impondo, para isso, deveres!

Ísis Boll de Araujo Bastos. In: Zero Hora, Porto Alegre, 8 maio 2012.
1.  Compare a linguagem e a estrutura dos textos citados:
a) Qual deles apresenta linguagem mais formal? Por quê?
b) Consequentemente, qual deles é mais claro na exposição das ideias? 
c) Quanto à estruturação das frases, qual deles é mais adequado para veicular na internet? Justifique sua resposta.

2. Para mais exercícios sobre variação linguística, clique aqui.

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