terça-feira, 12 de agosto de 2014

Coesão e coerência textuais

O artigo reproduzido a seguir, publicado na Revista Língua Portuguesa, apresenta os conceitos de coesão e coerência textuais, importantes elementos para escrever bem.

Quando um texto se torna texto
Sem coesão e coerência, as frases perdem clareza e deixam de constituir um genuíno argumento

Por João Batista Vaz

Veja os enunciados:
a) Viajar Tiago ficam casa e férias em Carol adoram nas sempre eles.
b) Tiago e Carol adoram viajar. Eles sempre ficam em casa nas férias.

O enunciado (a) não é texto. Falta-lhe sequência linguística, um arranjo sintático-semântico, já que consiste em arranjos desconexos de palavras.
Em Introduction to Text Linguistic (Londres: Longman, 1981), R. Beaugrande e W. V. Dressler mostraram que um enunciado bem construído apresenta a chamada textualidade (tessitura), um conjunto de características que fazem de um texto um texto, e não sequência aleatória de frases.
Com base nisso, o enunciado (b) não é sequência de palavras desconexas. Ainda assim, há algo esquisito nele, que faz com que ainda não possamos considerá-lo um texto. Ou não? Um texto, para ser considerado texto, deve atender a todos os requisitos linguísticos, do ponto de vista fonológico ao sintático-semântico e cognitivo?

Coesão e coerência
Segundo Luiz Antônio Marcuschi, em Produção Textual, Análise de Gênero e Compreensão (São Paulo, Parábola, 2008:80), os aspectos responsáveis pela textualidade envolvem 2 fatores exclusivamente linguísticos e 5 linguísticos e extralinguísticos (aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade). Os fatores exclusivamente linguísticos são coesão e coerência.
A coesão refere-se à conexão, à íntima associação entre as palavras de um texto. Para M. A. Halliday e Rugaia Hasan (Cohesion in English, Londres: Longman, 1976), há cinco mecanismos de coesão: por referência, substituição, elipse, conjunção e pelo léxico. Como se vê no quadro [abaixo], o processo de coesão por referência é bem próximo do de coesão por substituição. E este está ligado ao de coesão por elipse, já que não passa de uma substituição mental (subentendido).



Já para Ingedore Koch (A Coesão Textual, São Paulo: Contexto, 1993), tudo isso equivale a duas modalidades de coesão: referencial e sequencial [quadro a seguir].



Coerência
A coerência envolve fatores lógico-semânticos e cognitivos, já que a capacidade de um texto ser interpretado depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Marcuschi mostra, por isso, que a coerência não é propriedade do texto em si, mas um trabalho do leitor sobre as possibilidades interpretativas do texto. Ressalta, porém, que o texto deve permitir o acesso à coerência; caso contrário, não há possibilidade de entendimento. A coerência está mais na mente do leitor e no ponto de vista do receptor do que no interior do enunciado (Marcuschi, 2008: 79-80).
Criar textos envolve, portanto, a noção de coerência (harmonização de ideias, fatos e argumentos) e a de coesão (ligação, conexão, íntima associação entre as palavras de um texto).
A coesão busca dar sentido e entendimento ao texto, já que é ela a responsável em fornecer a coerência, quando esta não pode ser deduzida. 
Retomemos o exemplo (b). É possível retirar a incoerência com o uso, por exemplo, da coesão por conjunção ou da sequencial, e com um acréscimo conceitual (progressão):
"Tiago e Carol adoram viajar, mas eles sempre ficam em casa nas férias, pois não sobra dinheiro para viagens."
No exemplo reformulado, a coesão contribui para dar sentido e entendimento ao texto. É mecanismo auxiliar da coerência. Assim, (b) não pode ser considerado um texto, pois lhe falta coerência, um requisito lógico-semântico e cognitivo. Reformulado, torna-se um texto devidamente construído.




VAZ, João Batista. In: Língua Portuguesa, n. 105, jul. 2014. p. 38-40.

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